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draw ghosts

do androids dream of electric sheep?

draw ghosts

sobre empatia e (des)empregos

26.05.20, kate ♡

é difícil não ficar desencantada com o país, depois de quase seis meses de desemprego nos quais apenas levei com portas na cara e muito poucas janelas se abriram.

um fenómeno do qual já tinha conhecimento, mas que apenas se reafirmou, é a falta de empatia de quem está de fora da nossa situação. falta empatia aos trabalhadores dos centros de emprego e afins, que fazem um trabalho deslavado e falam connosco com a condescendência de quem se coloca a si mesmo em algum altar. falta empatia aos empregadores por diversos motivos e, em particular, pelo ciclo do queremos trabalhadores com experiência, mas para se ter experiência precisa-se ter emprego primeiro e isso nós não vamos proporcionar. a experiência, nós inventamos ou tiramos do traseiro, porque oportunidades com certeza não existem.

falta empatia na rua, quando se coloca a culpa da própria pobreza em pessoas que conseguiram beneficiar de algum tipo de apoio que nós não conseguimos. é como culpar o dono da mercearia pelo monopólio capitalista, colocando-o no mesmo patamar que uma empresa multimilionária. não é o mesmo, há nuances — há humanos aí, e eu oiço constantemente o português comum a utilizar linguagem xenófoba, capacitista ou simplesmente ignorante, porque claro que não é o próprio sistema/governo/organização da sociedade que está a prejudicar o eu individual. não! é muito mais fácil colocar a culpa em outros eus individuais, muito mais próximos do que os grandes milionários alguma vez estarão de nós. parece que se vê a humanidade da pessoa e ela incomoda.

não há oportunidades, porém, há muito oportunismo. e isso cansa e conduz a um ódio às nossas circunstâncias que pode consumir-nos por inteiro, caso não tenhamos cuidado. há uma fuga constante de mão de obra e cérebros que vai continuar a agravar-se e vai continuar a prejudicar o país em si. para quem não tem o mesmo acesso/possibilidade de procurar emprego noutra zona, a situação é ainda pior.

para quem trabalha com apoio ao público e afins: menos ego e mais altruísmo. para quem volta a própria frustração contra fontes exteriores que não têm a capacidade de decidir o status quo, quanto mais de mudá-lo: mais redirecionamento da vossa energia para o que realmente importa. 

e um último ponto, menos ligado ao foco do post: quem está a fazer atendimento ao público e a prestar um serviço (em especial, vendas e restauração), merece mais do que ser tratado como lixo. falta empatia na maneira como os clientes consomem, falta perceber que o vendedor não é uma máquina. é isso que frustra ainda mais, saber que a alternativa mais à mão, hoje em dia, é o retalho e a restauração e que, sendo o propósito vender, o vendedor vai ter de lidar com clientes mesquinhos (sem empatia) como se eles tivessem razão. tem que se engolir muitos sapos para manter o emprego, quando ele é tão difícil de conseguir — e isso abre espaço para manter a injustiça em andamento. 

falta consciência de classe, pensamento próprio, investimento local, leis. falta tanta coisa que, por vezes, se escorrega para um buraco sem fundo.

é preciso fazer um esforço consciente para não desanimar, para ter esperança, para acreditar que toda a montanha russa tem uma subida depois da descida (e, se nem sempre for possível esse otimismo, está tudo bem). o bom da vida é não ser em linha reta, certo? 

 

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